O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) a indenizar em R$ 1 milhão por danos morais coletivos devido a comentários racistas feitos por ele a apoiadores enquanto era presidente. Pela decisão, a União também deverá arcar com o mesmo valor, somando R$ 2 milhões de indenização.
Os desembargadores entenderam que as falas tiveram peso institucional, já que foram proferidas por Bolsonaro no exercício da Presidência da República. O relator do caso, desembargador Rogério Fraveto, destacou que a conduta se enquadra no chamado “racismo recreativo”, quando o humor é usado como recurso para encobrir o caráter discriminatório de declarações.
Segundo Fraveto, esse tipo de prática está enraizado em heranças da escravidão. “Trata-se de comportamento que tem origem na escravidão, perpetuando um processo de desumanização das pessoas escravizadas, posto em prática para justificar a coisificação de seres humanos e sua comercialização como mercadoria”, afirmou.
Origem da ação
A condenação atendeu parcialmente a pedido do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), autores da ação civil pública. Em primeira instância, a indenização havia sido negada, mas o MPF recorreu solicitando valor de R$ 5 milhões. A turma, no entanto, considerou a quantia excessiva e fixou em R$ 1 milhão para cada parte envolvida.
A decisão tem caráter civil e não implica punição criminal. O governo, no entanto, poderá mover uma nova ação para reaver de Bolsonaro o valor pago pela União. Defesa e acusação ainda podem recorrer.
As falas
As declarações que motivaram o processo ocorreram entre maio e julho de 2021. Em diferentes ocasiões, Bolsonaro fez comentários depreciativos envolvendo pessoas negras.
Em uma live semanal, o então presidente comparou o cabelo de um homem negro a um “criatório de baratas” e disse que um apoiador não poderia tomar ivermectina, pois “mataria todos os seus piolhos”. Outras falas ocorreram em frente ao cercado de apoiadores no Palácio da Alvorada, em Brasília.
Para o MPF, as falas não podem ser tratadas como meras piadas infelizes. “Os fatos se revestem de especial gravidade relacionada à discriminação de pessoas negras, havendo o ex-presidente da República proferido manifestações públicas de juízo depreciativo sobre cidadãos negros”, sustentou a procuradoria.
A representante do órgão também ressaltou que o cabelo é um dos principais sinais da identidade negra e historicamente alvo de preconceito.
Defesa
A advogada Karina Kufa, que representa Bolsonaro, argumentou que os comentários tinham tom jocoso e não configuravam racismo. Ela disse que as falas faziam referência apenas ao comprimento do cabelo do apoiador, sem ligação com características raciais.
Segundo a defesa, as brincadeiras ainda que de mau gosto foram direcionadas a uma pessoa específica, que não se sentiu ofendida, e não atingiram a população negra como um todo.