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“Setor de energia deve apostar no Cerrado brasileiro”, diz sócio da CBIE Advisory

Na visão do Centro Brasileiro de Infraestrutura Advisory (CBIE), a opinião pública entende que o Cerrado brasileiro está fora das regiões com demanda energética no Brasil. E isso é um erro. O impacto do agronegócio e especialmente da produção de soja nesta região faz com que o bioma seja um polo para investimentos em energia no País e os dois setores devem ser aproximados.

Poucos dias após o Congresso Nacional aprovar uma nova MP que muda regras do setor elétrico brasileiro, o BRAZIL ECONOMY conversou com Bruno Pascon, cofundador e sócio do CBIE Advisory, consultoria que atende quase 70% das empresas que compõem o setor de energia brasileiro, entre elas a Raízen, Cosan e Ultra, e já esteve envolvido em mais de 80 projetos, dos quais grande parte nas áreas de Fusões e Aquisições (M&A) para quase 70 companhias.

Com mais de dez anos acompanhando os setores elétrico, óleo e gás, saneamento e álcool para a América Latina, tem passagens por diversos bancos de investimento, como Citigroup, Barclays Capital e Goldman Sachs. Confira:

O setor elétrico vive a expectativa da sanção presidencial da MP 1304, aprovada na última quinta-feira no Congresso Nacional, que muda diversas regras da área, entre elas permite que pessoas físicas possam escolher o fornecedor da eletricidade e cria uma nova fórmula de calcular os royalties do petróleo. Quais as vantagens dessa MP aprovada?
A MP 1304, juntamente com a MP 1300, consolida em larga medida as discussões setoriais que ocorreram entre 2016 e 2017 por intermédio de consultas públicas que propuseram a modernização do setor elétrico brasileiro. Ao final do trâmite das duas medidas, a MP 1304 acabou concentrando mais temas, incluindo em um contexto mais amplo de setor energético, já que o setor elétrico equivale somente a 16% do volume de investimentos do setor energético.

Quais serão as vantagens?
Acredito que ela tem como principais vantagens a abertura do mercado livre para todos os consumidores em um prazo de até três anos, estabelece um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que concentra os encargos e subsídios setoriais e uma divisão mais justa da alocação dos custos de segurança energética entre os mercados regulado e livre, delimita a figura do autoprodutor de energia, possibilita a renovação da concessão de hidrelétricas de forma onerosa, introduz mecanismos para garantir segurança hídrica e energética, respeitando os usos múltiplos da água. Também vejo a possibilidade de abrir a caixa-preta das tarifas de escoamento, processamento e transporte de gás natural no Brasil, buscando a realização de revisões tarifárias que incentivem novos investimentos e repassem para modicidade tarifária os ativos que já foram totalmente depreciados, além da introdução de preços de referência de mercado para cálculo de royalties de petróleo e gás natural do Brasil.

Essa MP deve atrair mais investidores para o setor energético?
Do ponto de vista do setor elétrico, a MP deve atrair mais investidores para soluções de armazenamento, como o caso das baterias, para trazer maior confiança e segurança no suprimento elétrico, assim como permitir estratégias de trading chamadas de peak shaving, nos picos de demanda horária de cada dia, desde que o sinal de preço dado para os investidores seja de mercado. A previsão de realização de leilões de potência com análise anual também é fundamental para atrair investimentos e prover maior segurança energética ao sistema elétrico brasileiro. O leilão de 2026 pode ter uma demanda de potência entre 15 e 19 GW e, até o final da década, a depender dos cenários hidrológicos, o Brasil precisará de 40 a 60 GW de capacidade de potência, uma oportunidade de investimento muito significativa.

Quais serão os efeitos de uma revisão tarifária?
No caso do setor energético, a possibilidade de revisão tarifária das tarifas de escoamento, processamento e transporte de gás canalizado possibilitará gradativamente a eliminação de gargalos de infraestrutura. Com isso, haverá uma redução nos níveis de reinjeção de gás natural e, juntamente com a oferta futura de biometano, uma maior concorrência ao monopólio da Petrobras, o que deve contribuir para preços menores de gás natural no médio e longo prazo, beneficiando a produção de fertilizantes, a indústria, o comércio e o setor de transporte no Brasil.

Quais os estados brasileiros com maior atratividade no setor energético atualmente?
Cada estado possui uma vocação natural com soluções baseadas na natureza que melhor atendam às necessidades energéticas nos esforços de garantir segurança energética e descarbonização da matriz. Mas uma região que devemos aprofundar as atenções é o Cerrado brasileiro, que concentra hoje o agronegócio do País, respondendo, por exemplo, por 60% da soja produzida no Brasil e 15% do mundo. O agronegócio ainda representa entre 25% e 28% do PIB nacional e 50% das receitas de exportação. Existe uma visão equivocada de que não haveria demanda energética nessas regiões, que englobam o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o Centro-Oeste brasileiro (Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), pegando até o oeste dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Qual tem sido o papel do Cerrado nesse contexto?
Não fosse o Cerrado e a introdução da terceira revolução agrícola no Brasil a partir da década de 1980, o País ainda seria importador de alimentos. A partir da década de 1980, com o advento da irrigação (pivôs centrais), fertilizantes nitrogenados e a mecanização da lavoura, o Brasil aumentou sua produção de grãos e alimentos de 50 milhões de toneladas por ano para 350 milhões em um universo de 30 anos. A produção de fertilizantes, que hoje importamos entre 85% e 90%, a irrigação por pivôs centrais e a mecanização do agronegócio são altamente demandantes de energia. Infelizmente, uma série de pivôs centrais hoje estão desligados ou rodando a diesel, assim como caminhões, máquinas e equipamentos agrícolas, pela ausência de energia disponível e rede elétrica precária.

Existe uma boa notícia?
A boa notícia é que 95% do potencial de biogás e biometano de resíduos estão exatamente nessa região. Logo, aproximar o agronegócio do setor energético e estabelecer âncoras de demanda, como termelétricas, fábricas de fertilizantes e sistemas de irrigação, é fundamental para interligar essa região com todo o restante da malha dutoviária do País e eliminar os gargalos de infraestrutura energética atuais. Isso permitirá que o biometano possa ser escoado não somente por caminhões, mas pela mesma rede de gasodutos que hoje só transporta gás natural fóssil, gerando receitas extras para agricultores e pecuaristas, atendendo à demanda por eletricidade, térmica e combustíveis com fonte renovável, não intermitente e descentralizada. Por tudo isso, o Cerrado deve ser foco de investidores do setor energético nos próximos anos.

Quais os grandes diferenciais que o Brasil oferece atualmente para investidores interessados no setor elétrico do País?
Ainda é a ampla disponibilidade de recursos primários para geração de energia, seja para atendimento do setor elétrico, seja do setor energético como um todo, que envolve os setores industriais e de transporte. O perfil renovável da matriz energética brasileira é de 50%, contra 13% no caso do mundo, e na elétrica de 88%, contra 32% mundialmente.

Quais os países mais interessados em investir no setor energético brasileiro?
Historicamente, seja no setor elétrico ou energético, o Brasil recebeu investimentos de empresas norte-americanas, italianas, francesas, espanholas, portuguesas, alemãs e japonesas. Mais recentemente, vemos uma maior participação de empresas chinesas em todos os segmentos de energia, assim como fundos soberanos do Oriente Médio e da Índia.

O que o Brasil tem que melhorar para atrair cada vez mais investidores internacionais no setor elétrico?
Temos que melhorar principalmente em termos de governança, para fornecer estabilidade regulatória e segurança jurídica para investimentos de longo prazo. Além disso, promover um planejamento energético com maior aproximação do agronegócio com o setor de energia, especialmente para o aproveitamento econômico de resíduos, como o caso do biometano e demais biocombustíveis avançados. O Brasil nunca teve problema de alternativas de suprimento de energia, mas fica devendo muito em planejamento energético, principalmente para criar âncoras de demanda para atração de investimentos em infraestruturas, sem as quais nossos gargalos logísticos dutoviários, hidroviários e ferroviários não são resolvidos.

Quais são as vocações do País?
Se o País passar a olhar suas vocações naturais, como a liderança do agronegócio e da produção de biocombustíveis, e planejar sua matriz energética com visão holística e multissetorial, com base nas soluções de natureza de cada estado e região, buscando-se principalmente o aproveitamento de resíduos para descarbonização dos setores do agronegócio, indústria e transporte, poderá ter um novo ciclo de desenvolvimento socioeconômico sustentável que poucos países poderiam replicar. Em termos de liderança de produção alimentar e energética, só existem outras quatro potências além do Brasil, que são EUA, China, Índia e Rússia. O importante é que o Brasil não fique importando soluções que, em muitos casos, não se aplicam ao País.

Quais países do mundo devemos mirar em termos de exemplos de gestão do setor energético?
Em termos de planejamento energético, principalmente China e Índia, bem como os países do Sudeste Asiático, que vêm aumentando investimentos energéticos e de infraestrutura como ferramenta de crescimento econômico e aumento de renda per capita. Sem segurança energética, não há crescimento econômico. Sem segurança energética e alimentar, não há bem-estar social. Portanto, investir em infraestrutura para reduzir gargalos logísticos e de base energética são iniciativas fundamentais de desenvolvimento. E o Brasil consegue fazer isso majoritariamente com fontes limpas e renováveis, dados os recursos primários disponíveis.

Como aproveitar tudo isso para reduzir as desigualdades?
Do ponto de vista da redução de desigualdades regionais, o exemplo dos EUA, que adotaram no início dos anos 2000 duas políticas públicas para incentivar investimentos na indústria de petróleo e xisto, além de olharem com atenção para a infraestrutura de escoamento, transporte e distribuição em todo o território. Eles substituíram 160 GW de térmicas a carvão por térmicas a gás natural como âncora de demanda para investimentos em xisto e proibiram a exportação de petróleo e xisto até que 100% dos estados norte-americanos tivessem acesso a essa oferta doméstica.

E quais foram os efeitos dessas políticas?
Cerca de 40% do crescimento da produção industrial dos EUA de 2005 a 2019 foi oriundo do aproveitamento econômico do xisto, e os EUA se tornaram o maior produtor do mundo de petróleo e gás, dobrando sua posição de 10 milhões de barris por dia para 20 milhões, além de interligar todos os estados com rede de gasodutos para dar liquidez ao mercado. O País só passou a exportar petróleo quando atendeu toda a demanda doméstica, a partir de 2016, e no caso do gás natural, a partir de 2019. O Brasil nem explora comercialmente os recursos de xisto atualmente, a despeito de sua abundância e localização em terra.

O senhor pode me dar exemplos de práticas que não devemos copiar de outros países?
Países que aceleraram a transição energética sem se preocupar com a garantia da segurança energética, como o caso da União Europeia, o que gerou um processo inflacionário enorme cujos efeitos perduram até hoje e que levaram ao maior ciclo de aperto de juros de países desenvolvidos desde a década de 1980.

 

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