A prisão cinematográfica de Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, foi estampada na capa de diversos jornais nos últimos dias. Ao chegar de helicóptero no terminal de aviação executiva do aeroporto de Guarulhos, ele tentou embarcar às pressas em seu jato particular rumo à ilha de Malta, mas foi surpreendido por agentes da Polícia Federal que o aguardavam à paisana, na passagem pelo Raio-X.
Mais do que um episódio policial, o escândalo expõe brechas regulatórias que permitiram o crescimento desenfreado de uma instituição financeira que se valeu do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) como uma espécie de escudo moral, para distribuir CDBs com rentabilidade muito acima do mercado – em alguns casos, chegando a 140% do CDI – e sem ativos para fazer frente aos compromissos assumidos.
Se, por um lado, as plataformas digitais democratizaram o acesso ao sistema financeiro, tornando a experiência de investir mais simples e intuitiva (basta acessar o smartphone), por outro, acabaram proporcionando ao banco de Vorcaro a capilaridade necessária para angariar bilhões em recursos que, por si só, jamais conseguiria captar.
Diga-se, sem rodeios, que essas remunerações estratosféricas certamente garantiram comissões generosas a grandes instituições financeiras, como XP e BTG Pactual, dentre outras que, atuando dentro dos limites legais, ofereceram os papéis aos seus clientes. Não espanta o fato de que, muito embora as práticas temerárias do Master sejam conhecidas há anos pelos players do setor, tais produtos continuaram a ser ofertados, inclusive para pessoas físicas.
Foi por meio da estrutura dessas grandes empresas – especialmente de sua robusta força de vendas, com assessores espalhados por todo o país – que os CDBs garantidos pelo FGC foram apresentados ao público como um bom negócio. No entanto, quando as pessoas adquirem um produto com uma garantia tão sólida, é natural que a análise mais aprofundada sobre a reputação e a liquidez do emissor acabe ficando em segundo plano.
Com a decretação da liquidação extrajudicial do Master, pelo Banco Central, fundamentada na grave crise de liquidez e nas diversas ilegalidades praticadas, a conta será paga pela viúva. Uma base estimada em 1,6 milhão de clientes com investimentos garantidos pelo FGC, no limite de até duzentos e cinquenta mil reais, é elegível para receber aproximadamente R$ 41 bilhões do fundo – cujo aplicativo tornou-se o mais baixado do Brasil.
Contudo, nem todos os investidores sairão ilesos. Para aqueles com valores acima do limite do fundo ou com produtos que não são cobertos pelo FGC, a restituição dependerá do processo de liquidação e poderá se transformar em perda. Um exemplo desse drama é o da Rioprevidência – o fundo de pensão dos servidores do Estado do Rio de Janeiro, que chegou a concentrar R$ 1 bilhão em letras financeiras do Master.
O modelo atual do FGC acaba nivelando instituições com perfis de risco muito distintos, permitindo que bancos frágeis captem recursos sob a mesma proteção conferida aos mais sólidos. É indispensável adotar critérios que diferenciem essas realidades – seja impondo limites, restrições ou redução de cobertura. O fundo jamais pode funcionar como um prêmio à irresponsabilidade. Parece óbvio. Pode até ser. Mas precisa ser dito. Como já ensinava Clarice Lispector, o óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar.
*Stéfano Ribeiro Ferri é relator da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP e membro da Comissão de Direito Civil da OAB