O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta relembrou, durante o podcast Política de Primeira, o caos da covid durante o governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Mandetta ocupou o cargo de ministro entre janeiro de 2019 e 16 de abril de 2020 e foi demitido menos de dois meses após a confirmação do primeiro caso da doença no Brasil, devido a divergências com Bolsonaro sobre o combate à pandemia.
“Ele [Bolsonaro] e o presidente Trump, na época, houve uma viagem do presidente Bolsonaro para Mar-a-Lago, na Flórida, com ministros, senadores, fizeram uma visita lá pra analisar a situação. Eu acho que, politicamente naquela visita, eles tomaram as mesmas medidas. O Trump, no dia seguinte dessa reunião, começou a chamar o vírus de vírus chinês e o Brasil também, o Bolsonaro. Eles começaram a dizer que aquilo era um golpe da China, que a China estava fazendo aquilo para inseminar uma doença e depois comprar barato, enfim, criaram uma teoria do ataque econômico. Passaram a atacar a Organização Mundial da Saúde imediatamente. E acharam os dois que se dessem uma alternativa, então o Trump, no dia seguinte, pega uma caixa de cloroquina e fala: oh, esse aqui salva todo mundo. E o Bolsonaro pega outra. E saem os dois mundo afora. E aquilo foi problemático, porque nesses tempos de internet, foi a primeira pandemia tratada na internet, politizada. Aí virou uma Babel, porque você tinha médicos que falavam que estavam fazendo milagres com esses medicamentos, a população falando: se eu pegar essa doença, eu vou tomar isso aí, porque não tem outra coisa pra fazer, melhor tomar isso que não tomar nada. Tinha os exagerados que falavam: vou tomar um Ivomec [ivermectina] por dia, achando que era vitamina, e teve gente que morreu com insuficiência hepática. Virou uma Babel, virou cada um falando uma coisa”, relatou Mandetta.
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“O que eu acho que foi preponderante: Paulo Guedes. Como ele era o ministro da Economia, é óbvio que o ministro da Economia quer tudo menos aquilo. Não estou tendo atividade econômica, pessoal dentro de casa, fábrica parando, Brasil com economia informal gigantesca. Eu falava: calma, Paulo, vamos estruturar as nossas armas. Uma das poucas vezes que eu vi o presidente olhou pra mim e assim: é? É, presidente. Uma coisa é você aceitar os desígnios de Deus, agora o Estado brasileiro não dar uma porta pra pessoa lutar, ter a chance de lutar pela vida. Você com sua mãe, com seu pai, e falar: eu não tenho vaga, não tenho pra onde ir, eu vou ficar aqui dentro da minha casa e contaminar a família inteira. Nós temos a responsabilidade de fazer isso. Aí eu ganhei uma sobrevida. Mas era muito difícil, porque o Paulo Guedes cunhou aquela frase: entre saúde e economia, fique com a economia. Se a gente não fizer isso, pode ter saque de supermercado. Ele [Paulo Guedes] tensionava muito ali dentro com isso daí.”

“Entre esses dois mundos, eu nunca briguei, nunca discuti com o presidente. Eu falei: eu fui nomeado pelo senhor para lhe assessorar. Estou lhe assessorando com os conhecimentos que eu tenho. O que ocorre é que cunharam teorias. Teve uma, que era defendida publicamente pelo Osmar Terra, que queria ser o ministro do Bolsonaro, que falava que ia morrer menos gente do que com H1N1, em 12 semanas isso acaba, vão morrer 2 mil pessoas só, isso que ele está fazendo está tudo errado. E as pessoas replicavam na internet o dia inteiro. Eu acho que o presidente foi se pautando pela internet, foi achando que aquilo era uma saída, vamos dar cloroquina. Tinha gente que falava: por que não faz um carnaval fora de época, deixa todo mundo se beijar e todo mundo que tiver que pegar já pega. Aí eu falei: com meu nome e minha história, não dá.”

“Eu fiz a projeção para o presidente cidade por cidade até o dia 31 de dezembro do primeiro ano [2020]. O cálculo que foi feito pela minha equipe foi: se o senhor for nesse caminho aí de cloroquina, de minimizar o problema e a sociedade afrouxar, o cálculo que eu fiz é que seriam 181 mil mortes. Ele olhou pra minha cara e falou: você está louco, isso não existe. Outros olharam e falaram: será? E outros falaram: olha, escuta ele. Assim que era o negócio. Aí eu falei: preciso entregar isso por escrito. Foi feita uma reunião, e ele já estava com um mau humor danado, não de mim como pessoa, como pessoa ele nunca teve isso, mas sabe quando o cara fica bravo com o carteiro, porque ele está trazendo uma carta com notícia ruim. Eu dava as informações pra ele. Eu disse que iam morrer 180 mil pessoas em 2020 até dezembro. Eu tinha feito com a minha equipe, eu dividi três grupos, com cenário otimista, realista e pessimista. Pessimista era se a gente fizesse o que foi feito: duplo comando, cada um fala uma coisa, toma um remédio, médico faz o que quiser, volta a economia aos frangalhos, eleição de prefeito no meio daquilo, vereador fazendo reunião em bairro. Aquele cenário dava disso. Sabe quantos mortos teve naquele ano? 191 mil. Eu errei por 11 mil.”
“Naquele momento, ele optou por deixar o desgaste das medidas para governadores e prefeitos e retirar o protagonismo, a responsabilidade do governo federal. Olha, o governo federal vai mandar um dinheiro pra vocês, agora eu sou contra você fechar, olha o hospital está super lotado, mas você não pode deixar. Então aquilo ficou dúbio.”